Caracterização

Este estabelecimento de ensino, pertencente à Associação de Jardins-Escola João de Deus, foi fundado a 6 de setembro de 1914, e tem sido a base da formação académica de muitas gerações de figueirenses, desde então. Atualmente, conta com valências do ensino pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico cujo currículo inclui disciplinas como música, inglês a educação física, oferecendo, também, atividades extracurriculares em áreas como a dança e as artes visuais.

O 1º Jardim-Escola João de Deus foi mandado construir na antiga e arruinada Praça de Touros, terreno cedido pela Misericórdia da Figueira, por iniciativa do provedor, Afonso Ernesto Barros - Visconde da Marinha Grande, ficando sob a administração da Associação de Escolas Móveis e Jardins-Escola João de Deus.
Em 5 de Outubro de 1911 é batida a primeira pedra pelo provedor da Misericórdia, em nome de sua Excelência o Senhor Presidente da Republica, Dr. Manuel d`Arriaga. Inicia-se assim a sua construção.
A 6 de janeiro de 1914, a Voz da Justiça, publicava a seguinte noticia …” Prosseguem com atividade, os trabalhos de conclusão do magnifico edifício escolar fundado pela Misericórdia da Figueira da Foz e cuja inauguração senão realizará hoje, mas no fim do corrente mês ou principio de fevereiro”. A dia 20 do mesmo mês, continua ….“A mesa da Misericórdia desta cidade, recebe proposta em carta fechada, entregue na sua farmácia até ao dia 27 do corrente, à noite, para construção e colocação de dois portões e gradeamento de ferro no Jardim-Escola “João de Deus”. A planta e condições da obra acham-se patentes na mesma farmácia, onde podem ser examinadas pelos interessados.
A 27 de janeiro fica finalmente …”Resolvido retificar o engano dos peritos da câmara no parecer relativo ao alinhamento do terreno do Jardim-Escola João de Deus. Dizem-nos que a inauguração deste belo estabelecimento destinado à instrução e educação da infância da nossa terra se realizará no próximo mês: não sabemos se assim é. O que podemos dizer é que este edifício está pronto ou quasi pronto, que o seu aspeto é excelente e que os trabalhos no terreno que o circunda vão também adiantados. Quem ali passa sente uma forte impressão de contentamento ao lembrar-se que o Jardim-Escola está reservado para ser uma bela fonte de vida, de alegria e de saúde espiritual.
A Misericórdia da Figueira da Foz erguendo aquele gracioso edifício cometeu uma ação abençoada para todos os pais de coração. Vae ali manifestar-se o remédio mais eficaz, de mais salutar efeito que pode aplicar-se ao espírito débil das crianças e que mais as poderá precaver contra a miséria: a sã educação. O Jardim-Escola é um templo de luz, de bondade, de previdência e, para mais, viverá dentro dele o espírito luminoso de João de Deus, o maior e mais terno amigo das crianças. Quem há ai que não compreenda o alcance d’esta meritória obra? “
Em abril de 1914 o …”Jardim-Escola João de Deus. Magnifico estabelecimento d’ensino educação infantil construído por iniciativa e expensas da Misericórdia d’esta cidade. De talha singela mas elegante e gracioso, genuinamente português é um edifício alegre e ventilado satisfazendo por completo a todas a exigências de higiene escolar e moderna pedagogia infantil. A planta foi elaborada pelo distinto arquiteto da capital Sr. Raul Lino, especializado em edificações escolares e a sua realização ainda cuidadosamente pelo devotado amigo de instrução Dr. João de Deus Ramos que, com o seu concurso e conselho autorizado, em auxílio da Santa Casa Misericórdia, valiosos serviços tem prestado a tão belo empreendimento. Deve ser inaugurado em breve, apenas resta do concluir uma pequena parte da mobília e a jardinar o espaço largo que o circunda e se destine a recreio alegre e salutar das chilreantes criancinhas.”
A 11 de maio, Dr. João de Barros publica um eloquente texto sobre a Escola Portuguesa, onde retrata o ensino e a obra de João de Deus Ramos, como sublime. “Uma Escola Portugueza ….Por muitos, vários motivos, longos de explicar, a reputação de Portugal como País civilizado e moderno não é dos que mais esteja.…… No entanto, essa escola Nova existe em Coimbra, terra de escolas velhas….. Idealizou-a e creou-a o génio audacioso e ponderado de um moço que é já hoje ilustre: João de Deus Ramos, filho do grande João de Deus auxiliado na sua execução por dedicações inteligentíssimas como a do Professor Elísio Campos. É uma escola infantil um Jardim de Infância, ou melhor para usar a expressão com que o seu fundador tão justamente classificou: - “ um jardim-escola”, o Jardim-Escola João de Deus……Nele oitenta crianças pobres de ambos os sexos aprendem a ser fortes equilibrados, sadios e portuguesas. Não se estranha esse ultimo adjetivo. Com o efeito todo o educador que n`este momento quiser fazer obra útil em Portugal tem de atender, ao lado das condições pedagógicas que essa obra deve possuir, a uma outra condição, que as circunstancias tornam indispensável e imperiosa e que eu chamarei a condição patriota ou nacionalizadora……
Assim é que uma das normas que mais carinhosamente seguiu o Dr. João de Deus Ramos, na instalação do seu Jardim-Escola foi de não copiar dos modelos estrangeiros o tipo de casa e a decoração das paredes: tudo foi delineado, executado e acabado por artistas portugueses, e inspirado, o edifício, na nossa doce arquitetura provinciana; a decoração na nossa flora e nos nossos costumes.
A arte do nosso portuguesíssimo Raul Lino ali triunfa. Encontra-se à porta – e está-se dentro de uma habitação portuguesa, arejada, ampla, alegre e, é claro, absolutamente apropriada ao seu fim. O ar que ali circula não é o ar bafiento dos colégios antigos, não é a atmosfera pesada da pedagogia sorna e fatigante: - é um pouco do ar das nossas montanhas, reparador e forte como o sopro do nosso Atlântico familiar. Dispõem bem, escolhe bem as crianças, cujos olhos ávidos são logo atraídos pelas decorações murais, primeira lição de educação estética, primeiro balbucio de ensino patriótico, ficando em formas e atitudes amoráveis a graça, o encanto – e a utilidade dos nossos animais domésticos.
Não bastará, decerto, este cuidado no arranjo exterior da escola para garantir que a educação n`ela fornecida seja absolutamente nacional. No entanto, comecei por indicá-lo na persuasão de que ele é bem sintomático da orientação pedagógica que preside a esse modelar estabelecimento de ensino.
Quando tão inteligentemente se cria, em volta da educação, um ambiente tão alto valor moral para a formação do sentimento e do caráter, ê porque se possue, se “vive” e se quer fazer viver uma conceção educativa profunda, apaixonadamente organizada, produto de longas e serias meditações e de sério e sincero amor. É preciso, por assim dizer trazê-la no sangue de temperamento como consequência de um pensamento filosófico e de uma capacidade realizadora excecional. Na verdade, todas estas circunstâncias se verificam e se reúnem na pessoa de João de Deus Ramos.
Eu detesto o elogio individual; - prefiro louvar as obras dos homens de que os próprios homens, seus autores. Mas n`este caso, a obra não está ainda – como por exemplo acontece com os livros, depois de publicados – separada do seu criador……. Com efeito, um dos mais fortes – o mais forte mesmo – dos seus carateres nacionais está nas bases educativas em que hoje e sempre moderníssimos, que João de Deus seguiu ao planear e ao executar a sua genial “ Cartilha”.
Há muita gente que não atribui a esta, senão o valor d`um bom método de leitura e nada mais e não veem, não compreendem a que demoradas e fecundas reflexões, a que lento, vagaroso, consciencioso estudo corresponde cada uma das suas descobertas.….. o seu pensamento vê -se ali perfeitamente a nu. Ora, melhor do que ninguém ama conhece e até por vezes, completa esse pensamento o Dr. João de Deus Ramos. E foi amando-o, conhecendo-o, completando-o que ele fundou o seu primeiro Jardim-Escola e que outros vai fundar, pelo país fora, n`um generoso apostolado social em que todos os portugueses o admiram, o auxiliam e o aplaudem.
Assim aquele respeito pela espontaneidade da criança, aquela noção que pertence a João de Deus e só a ele, de que na criança se deve desenvolver o ser racional, educando-a por métodos fáceis ou agradáveis; o seu desprezo pela disciplina fictícia e forçada, que não é senão um criminoso processo de atrofia: aquela poética, lírica ternura pela infância que só em Portugal e no Brasil se pode ver – tudo isso vamos nós encontrar no Jardim-Escola João de Deus.
Mas porque se chamará Jardim-Escola e não Escola Infantil? ….. – porque n`ele o jardim não é apenas, como nas suas similares, um lugar de recreio, um descanso pertence à escola, é um campo de educação e de ensino: e propositadamente, das suas árvores, do seu lago, das suas flores, as mestras tiram ensinamentos, os educandos recebem lições.
Lições – querem dizer: - emoções e ideias. Nada do que signifique tirania, severidade, imposição existe no Jardim-escola. Nada. É uma consolação para a alma, e um remédio seguro para a melancolia, passar algumas horas entre as suas crianças. Recebe-se um banho de tranquilidade e de certeza. O futuro que está destinado a esses pequeninos há-de ser feliz, pensa-se, e mais feliz ainda o futuro que eles devem poder criar para a sua Pátria, ali concretizada, glorificada ali desde o aspeto até à orientação que dirige os seus trabalhos. É deste modo que o sentimento cívico se torna uma realidade; é d`este modo que na nação ressurge, educando os seus filhos para uma mais enternecida paixão pelas suas coisas e pelo seu ideal nacional.
A 25 de junho de 1914 deu-se uma Assembleia Geral da Associação de Escolas Móveis e Jardins-Escolas João de Deus, em que participou o Sr. Dr. João de Deus Ramos, o que foi aprovado por unanimidade, que devido a já estar concluído o edifício do Jardim-Escola João de Deus, na Figueira da Foz, construído a expensas da Misericórdia daquela cidade, por iniciativa do seu ilustre provedor o Sr. Visconde da Marinha Grande, e propôs que a Associação fizesse, oportunamente, a aquisição da propriedade do mesmo Jardim-Escola. Inaugurado o Jardim-Escola em 6 de setembro de 1914 pelas 14H30 min, as salas estavam literalmente cheias de gente, uma salva de palmas abafou as últimas palavras do Sr. Presidente da Republica, Sua Excelência o Senhor Dr. Manuel d`Arriaga, depois do que é lido e assinado o respetivo auto. Assistem à cerimónia o Dr. João de Deus Ramos, o Dr. Moreira, Reitor da Universidade de Coimbra como representante do Ministro da Instrução pública, Governador Civil da Figueira da Foz. Mesa da Misericórdia o provedor Visconde da Marinha Grande, Artur Costa - senador, autoridades civis e militares, Representantes da Câmara, Associações e Imprensa locais, Comissão de assistência do Jardim-Escola, senhoras da cidade e de fora, muitos cavalheiros entre eles o Sr. Dr. Afonso Augusto Costa, estadista. O Sr. Presidente da República e as pessoas de representação visitaram, em seguida, todo o edifício, elogiando a sua bela disposição.
À saída do Sr. Presidente da República e do Dr. Afonso Costa repetiram-se as manifestações de simpatia, deixando a festa no espírito de toda a assistência a mais funda e grata impressão